Seminário põe em estudo temas essenciais para a investigação das raízes da violência e de como criar caminhos para compreendê-la, em prol de alternativas pacíficas para o mundo
Por Júlio Almeida –
Certa vez, o Dalai Lama afirmou: “Nunca poderemos obter a paz no mundo exterior se não conseguirmos estar em paz com nós mesmos”. A paz, ideal humano que às vezes tão distante parece estar do viver comum da atual civilização, foi tema de relevante evento em Brasília (DF) no começo de abril. Na ocasião, iniciou-se um ciclo de palestras para o estudo do tema, de essencial importância para a nossa civilização em todos os tempos e, principalmente, para a atualidade, em que a violência parece institucionalizada e as guerras se assemelham a um fenômeno corriqueiro, para não dizer banal.
O seminário “Diálogos para a Paz” é uma iniciativa da Sociedade Teosófica (ST) no Brasil, em parceria com o Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos (NEP/UnB), o Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam/UnB) e a União Planetária (UP). O ciclo de diálogos teve início no dia 3 de abril, na Faculdade de Comunicação (FAC) da UnB, com o tema: “A Contradição Humana”, tendo como palestrante Ricardo Lindemann, doutorando em Ciência da Religião, mestre em Filosofia e ex-presidente da Sociedade Teosófica. Além do palestrante, completaram a mesa a professora Nair Bicalho (coordenadora do NEP/UnB) e Isis Resende (advogada e palestrante da UP). Em sua palestra, como a ecoar as palavras do Dalai Lama, Lindemann ressaltou que, “enquanto o ser humano não estiver em paz consigo mesmo, ele não conseguirá sustentá-la no mundo”. Segundo afirmou, “todas as religiões e filosofias falam da paz, da fraternidade, do bem maior para todos e, no entanto, o mundo está como está”, declarou.
Por tal razão, de acordo com o palestrante, o tema da contradição é o primeiro passo para investigar por que, apesar de haver tantas mensagens em favor da paz ou mesmo em favor da fraternidade entre os homens, gasta-se tanto em armas no planeta: US$ 1,756 trilhão, conforme dados de 2013 do relatório do Stockholm International Peace Research Institute, enquanto 6 milhões de crianças morrem de fome por ano, segundo dados do relatório “Progresso para a Infância” (2015), do Unicef. Ambos os dados chocam, principalmente se confrontados com informações da FAO/ ONU, que, em relatório (2015), estimou ser possível eliminar a fome no mundo até 2030 com um investimento de US$ 267 bilhões por ano. Ou seja, bastaria uma fração do total gasto com militarismo no planeta para erradicar o flagelo da fome na Terra. “Razão pela qual concluímos que o mundo é contraditório, entre suas religiões e filosofias, em relação ao que, de fato, acaba ocorrendo”, ressaltou Lindemann.
Ignorância: a raiz do sofrimento humano
Segundo o palestrante, o primeiro desafio do homem para entender as raízes da violência e a falta de paz é tentar compreender a contradição do próprio ser humano. “Se não compreendemos o homem, não compreenderemos as causas da falta de paz. Com isso, acabamos no conflito, na tragédia, na fome, na corrupção… Sem falar no crime, porque, por enquanto, estamos falando só de questões legais, porque as armas são vendidas legalmente e livremente, como se fossem uma geladeira ou uma TV”, declarou Lindemann. Segundo ele, outro ponto fundamental é investigar o motivo do sofrimento no mundo. Para isso, Lindemann cita Platão, para quem a causa do sofrimento humano está alicerçada na ignorância. “Ao que tudo parece indicar, Buda, Shankara, Patañjali e Krishna diziam a mesma coisa, embora chamassem ‘ignorância’ pelo nome de ‘avidyá’, que – em sânscrito – significa um estado de confusão na percepção das coisas”, declarou. Conforme ele ressaltou, se o ser humano buscar a causa da contradição, estará mais perto de uma possível solução, porque “se nem o diagnóstico for correto, vamos querer, às vezes, tomar medidas contra o efeito sem suprimir a causa”, declarou. Para o filósofo, o que advém disso é que é muito comum os governantes tentarem resolver os conflitos aumentando a segurança pública, o armamento ou o efetivo da polícia, o que, por sua vez, resulta em mais violência. “As pessoas fazem isso sem perceber que, em um nível mais profundo, o problema não está sendo resolvido. Pelo contrário: está se agravando”, diagnosticou.
O ser humano como escravo de si mesmo
Lindemann destaca que só a contradição intrínseca à natureza humana pode explicar a causa do sofrimento, a razão que leva as pessoas a buscar a violência, embora tantas filosofias indiquem a paz como o melhor caminho. “Então, identificamos que o ser humano é frequentemente derrotado por si mesmo”, analisa. A partir daí, de acordo com o palestrante, começa-se a entender que o ser humano precisa se autoconhecer. “Do ponto de vista dessas filosofias, só pelo autoconhecimento podemos remover a causa da ignorância”, afirmou Lindemann. Para ele, assim começamos a tomar o caminho da busca dos potenciais humanos. Começamos a saber como os hábitos são formados e mal orientados e de como é difícil transformá-los”, diz. Assim, o homem começa a tomar consciência de que tem uma segunda natureza, que é mecânica e formada de impulsos hereditários, hábitos adquiridos, automatizados, frequentemente difíceis de ser modificados no decorrer da vida. Resgatando a tradição filosófica oriental, Lindemann salienta que só o ser humano que vence seus próprios instintos primários pode estar no caminho do autoconhecimento e, portanto, no caminho de se pacificar interiormente. Ele conclui seu raciocínio citando Buda: “Por mais mais que em uma batalha se vença um ou mais inimigos, a vitória sobre si mesmo é a maior vitória”.
Diálogo necessário
Para a professora Nair Bicalho, mediadora da mesa, um tema como a paz é fundamental, principalmente porque ocorre em uma universidade, que é formadora de opiniões e tem um grande peso social, até como norteadora dos rumos de um país. Segundo ela afirma, é uma forma de sensibilizar os alunos para uma discussão existencial, em que o sentido da vida possa ganhar um espaço em seu dia a dia, “para que eles construam seus projetos de vida de forma fraterna, participativa, com cooperação, para que tenham horizontes no sentido de contribuir com alternativas pacíficas para este mundo conturbado, violento”, finalizou. Já para Isis Resende, o seminário é uma oportunidade de mostrar que as religiões, as filosofias e as ciências têm algo a nos dizer em prol de uma sociedade mais saudável.