Mais um passo foi dado rumo à garantia de direitos da população transexual no Brasil. Teve início, na última semana, a campanha “Trans não é doença!”. O objetivo principal é a retirada das identidades trans como transtornos mentais na Classificação Internacional de Doenças (CID), que será revisada pela Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde em maio de 2018.

Com o consenso de que transgeneridade e transexualidade não são uma anomalia, a ideia é que os termos estejam presentes no capítulo “condições relacionadas à saúde sexual”, sendo reconhecidos como “incongruência de gênero na adolescência e vida adulta”. Assim como a gravidez, que também não se trata de uma patologia, a condição constaria na CID por requerer acompanhamentos médicos específicos, como a hormonioterapia e eventuais cirurgias.

Para o advogado Lourival de Carvalho, do Centro de Referência em Direitos Humanos do Distrito Federal (CRDH-DF), a mudança representa um avanço significativo. Ele ressalta que, hoje, a Justiça ainda esbarra em uma série de entraves para lidar com essas questões. “Por exemplo, para solicitarmos a alteração do nome e do gênero das pessoas trans em seus documentos civis, há uma lista que exige laudos médicos, psicológicos, testemunhas, entre vários outros, para ‘convencer’ os juízes de que aqueles corpos tenham o seu direito assegurado”, afirma.

“Houve um caso recente, aqui no DF, em que o juiz pediu para uma mulher trans desfilasse na sala de audiência para, assim, sentenciar a ‘verdade’ de sua identidade de gênero feminina. Esse caso específico será denunciado, mas quantos outros não passam em silêncio pelos corredores da Justiça no país? O Estado não pode ser uma máquina produtora de anomalias, de cidadania por gambiarra e não pode participar ativamente no genocídio dessa população, cuja expectativa de vida no Brasil é de apenas 35 anos”, complementa.

A psicóloga do CRDH/DF, Láris Vasques, lembra que o sofrimento da comunidade transexual ocorre muito mais em decorrência das opressões sociais do que por sua condição em si. “É fácil compreender que inúmeras variáveis da sociedade são adoecedoras porque essas pessoas são rejeitadas dos processos de educação, do acesso à saúde, sofrem violência.  Então é preciso que esse debate vá para as instâncias dos profissionais de saúde, para que eles reconheçam que o adequado manejo e cuidado pode transformar vidas”, reforça.

Mobilização internacional

A opinião é compartilhada pela presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), Keila Simpson. Ela acredita que, por mais que a conscientização da sociedade em relação ao assunto ainda esteja longe do ideal, a discussão sobre a despatologização pode ter um impacto direto para homens e mulheres trans.

Segundo Keila, o intuito é de que haja uma mobilização de âmbito internacional para que o projeto se torne uma realidade. “É necessário se juntar com outras instituições para que a gente se apoie mutuamente e faça uma intervenção intensa em todo o mundo. Não é só o Brasil que tem trabalhado com essa proposta, mas outros países, inclusive da América Latina”, explica.

A campanha “Trans não é doença!” surgiu de uma parceria entre entidades como a ANTRA, a União Libertária de Travestis e Mulheres Transexuais (ULTRA), o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT) e a Associação do Núcleo de Apoio e Valorização à Vida de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Distrito Federal e Entorno (ANAVtrans), com apoio da Equipe de Trabalho sobre Sexualidade e Gênero – Akahatá, da Ordem dos Advogados do Brasil seccional DF (OAB-DF), e do Conselho Regional de Psicologia do DF (CRP-01/DF).

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