Embaixador da Índia no Brasil, Ashok Das traz, em sua bagagem diplomática, a sabedoria, a religiosidade e a filosofia da sua pátria como instrumentos imprescindíveis a serviço da tomada de decisões na política. Nesta entrevista, no Setor de Embaixadas Sul, no fim de abril, ele nos falou da importância da espiritualidade para a vivência dos princípios que norteiam a boa política. Além disso, ele nos revelou suas influências na sua formação como indivíduo e abordou temas como simplicidade, resiliência, o legado de uma cultura milenar e a moralidade como orientação essencial a quem pretende se alçar a uma posição de liderança

Por Henrique Faria –

Diplomata de carreira, Ashok Das integrou o Serviço de Relações Exteriores da Índia em 1987. Desde então, serviu nas missões diplomáticas da Índia em Portugal, no Camboja e nos EUA, em Chicago. Foi também assistente do Alto Comissariado da Índia em Chittagong, no Bangladesh, além de cônsul-geral da Índia em Vancouver, no Canadá. Serviu, ainda, como diretor geral adjunto no Conselho Indiano de Relações Culturais (ICCR) em Nova Déli, Índia. Em seguida, tomou posse como embaixador da Índia na República da Islândia. Antes de ser nomeado embaixador da Índia no Brasil, atuava desde agosto de 2015 como responsável pela Divisão da América Latina e do Caribe no Ministério das Relações Exteriores em Nova Déli. Ele fala várias línguas indianas, inglês, estuda o português e possui grau de Master of Philosophy na prestigiosa Universidade Jawaharlal Nehru (JNU), em Nova Déli. Ashok Das é casado com Erika Das, com quem tem um casal de filhos.

No seu entender, até que ponto a espiritualidade pode influenciar a política? O senhor acha que a espiritualidade é um norteamento importante para direcionar as decisões políticas no mundo?

Vou citar o exemplo da Índia, que é uma civilização milenar. A espiritualidade é indissociável do modo de viver e pensar do indiano. O dia do indiano começa com uma oração silenciosa ou não tão silenciosa a Deus. Os lares dos indianos têm várias imagens de deuses. Os indianos vão várias vezes por semana e por mês aos seus locais de adoração, que podem ser templos, mesquitas, igrejas e locais sagrados. Mas tudo isso é uma demonstração externa da espiritualidade do indiano. Outro aspecto fundamental é a expressão interna da espiritualidade, que é a mais importante no que se refere à influência na política e à tomada de decisões neste âmbito. Lembro-me de uma citação de Mahatma Gandhi que diz: “Quando vou tomar uma decisão, sempre me pergunto: ‘como tal decisão vai afetar o mais pobre dos pobres?”. Acredito que esse tipo de pensamento só vem à mente de um indivíduo se ele tem uma sintonia com a espiritualidade e se permite ser orientado por ela. Porque na essência desse pensamento está implícito o respeito pelas pessoas que sobrevivem à custa de uma vida de grandes e difíceis desafios, pessoas que, muitas vezes, não têm o mínimo para viver com dignidade. A partir desse questionamento inicial, poderíamos também nos perguntar: “como minha decisão vai afetar o meio ambiente, outras pessoas, outros seres e outros países?”. Existe uma expressão em meu país que faz parte da filosofia indiana e que diz: “O mundo inteiro é minha família”. Então, esse tipo de pensamento faz parte do nosso modo de pensar, viver e sentir. O real desafio está, na verdade, em como colocar isso em prática em nossas vidas todos os dias e em todas as situações e decisões.

Apesar de tantos ensinamentos espirituais confiáveis e profundos deixados pela Índia há milênios, por que tanto o Brasil e a própria Índia, assim como o resto do mundo, padecem de tantos males? Infortúnios como a injustiça, a desigualdade, a violência, a corrupção, a corrida armamentista, o preconceito, o racismo, as guerras?

Tanto o Brasil quanto a Índia têm culturas profundamente enraizadas na espiritualidade, culturas que contam com o legado de instrutores espirituais e santos que deixaram um marca profunda na essência dos nossos costumes,. Apesar disso, embora existam muitas necessidades materiais na vida, muitas pessoas que já têm o essencial querem ter tudo. Essa avidez deveria ser menor. Caso contrário, continuaremos a colocar tanta pressão sobre a natureza que o planeta não irá resistir, assim como o fenômeno das mudanças climáticas já vem mostrando. Deveríamos começar com um modo de vida mais simples, com a procura da simplicidade. A prática da Yoga [que, em sânscrito, significa “união divina”] traz isso. É um estilo de vida, uma forma de viver, pensar e sentir, mas que não tem nenhuma relação com religião. Muitos povos que vão à Índia ficam maravilhados com a resiliência dos indianos. Esses povos ficam impressionados quando presenciam pessoas que têm profundas carências em seu dia a dia até em relação às coisas mais básicas e, mesmo assim, sorriem, mantêm sua alegria e uma fé em Deus que não é abalada pelas circunstâncias adversas das suas vidas. Isso é algo que podemos aprender com a cultura indiana. O melhor que poderíamos fazer é ter como base os exemplos dessas pessoas, assim como os ensinamentos de grandes personalidades, que – com o modelo de suas vidas – podem nos orientar para que possamos estar mais próximos de Deus.

Quais personalidades mais influenciaram sua carreira e sua vida?

O que mais me influenciou foi, certamente, Mahatma Gandhi, pai da nação. Além dele, Vivekananda; Ramakrishna, que foi mestre de Vivekananda; o filósofo Sri Aurobindo Ghose; a Mãe [Mira Alfassa, discípula de Sri Aurobindo]; Madre Teresa de Calcutá… São os ilustres filhos e filhas da Índia. Também posso citar outras grandes influências, como Nelson Mandela… Vivekananda, por exemplo, foi muito importante por apresentar o Hinduísmo ao Ocidente, que não é só uma religião ou um conjunto de religiões, mas principalmente um estilo de vida. Mas minha admiração por Vivekananda vai além. Ele é importante essencialmente pelos seus grandes ensinamentos e por sua colaboração em inspirar a juventude da Índia a lutar contra as injustiças e, entre elas, o colonialismo. Se há algo que você pode encontrar de semelhante em todas as filosofias dessas personalidades é a moralidade na política. É por isso que, segundo a minha crença, todas as pessoas que estão em posição de liderança devem ter uma formação em moralidade.