Por Marcos Resende –

O caminho espiritual envolve necessariamente o autoconhecimento, que se relaciona com a percepção e compreensão de nós mesmos e de nossa relação com os outros, com a natureza e o universo. Uma das características marcantes da natureza humana é a ignorância, entendida não como a falta de informação ou conhecimento, mas como ausência de sabedoria. Diz-se que o verdadeiro sábio sempre é humilde. Mas o sábio não se considera sábio, nem humilde. O que significa ser humilde? Pode a humildade ser cultivada? Ao longo da vida, todos nós criamos e nutrimos uma autoimagem, que pode ser chamada de ego psicológico e é alimentada diariamente por nossos pensamentos e desejos relacionados à autoimportância, à autossatisfação, à busca do prazer e à fuga dos incômodos e das dores. Nós nos consideramos pessoas bastante razoáveis e qualquer afirmação contrária a tal imagem permanentemente nutrida é recebida como ofensa, o que gera mágoa e hostilidade. As pessoas lutam para se tornar alguém, para deixar a sua marca em sua passagem pelo mundo. Todos querem ser importantes, direta ou indiretamente, sutil ou ostensivamente. A busca do sucesso, tão valorizado na sociedade humana, tem a ver com o sentimento de autoimportância constantemente alimentado e perseguido. Onde entra a humildade nisso tudo? Podemos desejar ser humildes ou a humildade é o fruto natural da compreensão de que não somos nada, mas apenas focos de interação e observação da vida, das relações e da natureza? Isso nada tem a ver com a chamada “baixa autoestima”. Há pessoas que, em decorrência de um processo mental comparativo, se imaginam sempre abaixo de um padrão idealizado, se sentem inferiores e sofrem, quando não entram em depressão. Nada disso tem a ver com a humildade. Sabemos que não somos nossos corpos, uma vez que eles são temporários. Não somos nossos títulos, porque também hão de ser deixados por ocasião de nossa morte. Não somos nossas posses, que igualmente terão de ser entregues após as perdas infligidas pela vida ou quando passarmos para além desta existência. Afinal, o que realmente somos? Quando vemos quão perniciosos são os pensamentos que nutrem o ego psicológico – porque o sentimento de autoimportância é desagregador nos relacionamentos – e quando percebemos tais pensamentos e sua futilidade, nós os abandonamos e, então, começa um viver de qualidade diferente, em que nós não somos nada e notamos que há uma infinita beleza nisso. O verdadeiro sábio sabe que nada sabe, mas está sempre pronto a aprender.

Ele sabe que é um grão de areia em um universo infinito e, por isso, não nutre pensamentos de autoimportância. Aquele que acha que sabe está paralisado, confinado em suas acumulações e, por não ter a mente vazia para ver as coisas como elas são, vive mecanicamente de repetições e comparações. Quando vemos que não somos nada, estamos a nos despir de vestes pesadas, acumuladas e carregadas ao longo da vida. Assim, tornamo-nos leves e sensíveis. Mas precisamos estar observando e aprendendo sempre, porque os vícios de autoimportância cultivados pelo pensamento, ao longo de eras, voltam de forma dissimulada. Quando nos achamos humildes, já não o somos, porque essa é também uma forma sutil de autoimportância e autovalorização. O que está em jogo é o aprendizado de como opera nosso pensamento, como funciona essa maravilhosa máquina de pensar com a qual a natureza nos brindou. Mas o autoconhecimento demanda trabalho diário de aprendizado sobre nós, isto é, sobre como nossa mente atua, com todas suas sutilezas, alimentando o prazer e rejeitando a dor. Criado para a nossa atividade prática na vida, o pensamento acaba sendo fonte de sofrimento e frustração, porque as coisas nem acontecem como imaginamos e desejamos. É possível reduzir o pensamento às suas funções práticas e nos esvaziarmos em relação a ele quando não estamos lidando com coisas externas e materiais? É possível usarmos nosso poder mental não para a acumulação interna ou externa, mas para nós nos desprendermos das acumulações? A humildade consiste em sermos sempre uma taça vazia, pronta para receber avida universal, despojando- -nos de todo elemento pessoal criado e nutrido de modo inconsciente. Só com muito trabalho, atenção e percepção, o círculo vicioso do pensamento autocentrado pode ser revertido. Todavia, tal reversão não se dá por oposição, mas pela percepção. Quando ela ocorre, o pensamento, que até então era inconsciente, perde a sua força, pois é percebido. Por isso, o autoconhecimento é um trabalho infinito, um aprender eterno, que começa sempre no instante presente, com a atenta observação de tudo o que se passa dentro e fora de nós. A humildade não é mais um valor a ser agregado ou acumulado. Ao contrário, ela é o subproduto de uma consciência que se libertou das ilusões da autoimportância e de tudo o que é necessariamente transitório. Ela é a condição para que o amor venha a nós, com seu poder infinito, fluindo com harmonia em todas as direções.